rOpenSci | Traduzindo o Dev Guide da rOpenSci para o Português: Colaboração, Comunidade, Desafios e Impacto

Traduzindo o Dev Guide da rOpenSci para o Português: Colaboração, Comunidade, Desafios e Impacto

🔗 Introdução

A rOpenSci faz a curadoria de pacotes desenvolvidos na linguagem de programação R e também oferece um processo consolidado de revisão por pares para pacotes em R. Para guiar esse processo, a rOpenSci desenvolveu o guia Pacotes rOpenSci: Desenvolvimento, Manutenção e Revisão por Pares (chamado também de “Dev Guide”). O guia apresenta os procedimentos recomendados para desenvolver e submeter pacotes à coleção da rOpenSci, esclarecendo cada etapa e garantindo transparência ao longo de todo o processo.

Inicialmente, o Dev Guide foi concebido em inglês e, posteriormente, ganhou uma versão em espanhol, graças a um esforço de tradução da comunidade. Mais recentemente, algumas pessoas colaboradoras fizeram esforços em conjunto para a tradução do Dev Guide para o português. Neste texto, iremos relatar como foi esse processo de tradução colaborativa, levando em conta que a tradução de materiais é uma das formas de contribuir com a missão da rOpenSci de promover uma cultura de pesquisa aberta e reprodutível.

🔗 Por que traduzir o Dev Guide para o português?

A tradução do Dev Guide faz parte de um esforço mais amplo da rOpenSci para reduzir barreiras linguísticas na comunidade científica. Isso porque o inglês ainda é o idioma predominante em materiais técnicos e científicos, o que limita a participação de pessoas que não o dominam.

O português é a sexta língua mais falada do mundo e conecta comunidades de pesquisa na América Latina, Europa e África. Traduzir o guia é uma forma concreta de ampliar a diversidade de contribuições, fortalecer comunidades locais e incentivar a revisão e o desenvolvimento de pacotes em R em países lusófonos.

🔗 Linha do tempo do projeto de tradução

Após o lançamento da versão em espanhol, o brasileiro Pedro Faria começou a traduzir o Dev Guide para o português em junho de 2023. Essa iniciativa foi a oportunidade perfeita para testar, em outro idioma, todo o processo e as ferramentas utilizadas na tradução para o espanhol.

Mas esse foi apenas o início da história. Logo depois, a equipe da rOpenSci lançou uma chamada a fim de alcançar colaboradores para somar forças. Assim, formou-se o primeiro grupo de pessoas interessadas em colaborar com a revisão e tradução, dando continuidade, portanto, ao trabalho iniciado pelo Pedro.

A iniciativa continuou ganhando forma e, pouco a pouco, foi atingindo mais pessoas. Dentre elas, o angolano António Pedro, líder da Angola Open Source Community (AOSC), que manifestou o desejo de engajar também sua comunidade nesse esforço conjunto.

Ao longo do tempo, a rOpenSci promoveu alguns encontros com o intuito de apresentar a iniciativa, aproximar as pessoas colaboradoras e manter vivo o entusiasmo pela tradução. Em um primeiro momento, a rOpenSci organizou uma reunião online (Traduzindo o Guia Dev da rOpenSci para o Português), na qual o Pedro apresentou o processo de tradução. As pessoas interessadas em colaborar entraram no Slack da rOpenSci e passaram a trabalhar nas revisões.

Em um segundo momento, para manter o engajamento, houve uma chamada comunitária em português, “A Comunidade R Fala Português”, sendo o primeiro encontro realizado em Português. Nessa oportunidade, além da divulgação do projeto da rOpenSci de tradução para o português, também foram apresentados outros projetos similares conduzidos dentro da comunidade R. Para inspirar as pessoas a participarem, foi realizado ainda um hackathon de tradução em conjunto com o evento LatinR naquele mesmo ano. Pedro Faria, Beatriz Milz e Francesca Belem Lopes Palmeira estiveram à frente desses dois eventos, apresentando a iniciativa, guiando as discussões e inspirando a colaboração entre as pessoas.

Com o passar do tempo, mais pessoas se juntaram ao projeto e a tradução foi concluída em outubro de 2025. Mais de dois anos se passaram entre as primeiras linhas traduzidas e a concretização dessa iniciativa de tradução colaborativa.

Figura 1 - Linha do tempo de como os eventos se desenrolaram.

Fonte: Francesca Belem Lopes Palmeira e Ariana Moura Cabral.

🔗 Processo de tradução

O Guia de Tradução da rOpenSci foi importante para o processo de tradução. Esse guia documenta a infraestrutura, os papéis e as etapas técnicas envolvidas na tradução e manutenção de materiais multilíngues da rOpenSci. Ele foi criado com base na experiência acumulada em traduções anteriores e inspira-se no próprio sistema de revisão por pares de pacotes da rOpenSci.

Todas as tarefas relacionadas a esse projeto de tradução para o português foram organizadas usando o GitHub, no repositório do Dev Guide. O Dev Guide foi escrito em R Markdown, com cada capítulo organizado em um arquivo .Rmd. Cada capítulo original em inglês foi submetido a uma tradução inicial automática utilizando o pacote {babeldown}1. Esse pacote, que faz parte da coleção da rOpenSci, utiliza a API do DeepL, uma ferramenta que utiliza inteligência artificial para realizar traduções.

A tradução inicial era submetida ao repositório através de um Pull Request (PR), para que pudesse ser revisada antes de ser integrada ao guia. Em seguida, duas pessoas diferentes realizavam a revisão do texto traduzido automaticamente. A participação de duas pessoas revisoras foi fundamental para refinar o resultado e garantir a fluidez do texto. Após a consolidação com as sugestões das pessoas revisoras, o PR era aceito.

Figura 2 - Representação visual do processo de tradução feita para cada capítulo do Dev Guide.

Fonte: Francesca Belem Lopes Palmeira.

Este ano teremos a publicação da nova versão do Dev Guide, incluindo a tradução para o português 🎉. Todas as pessoas que participaram desse trabalho de tradução e revisão serão creditadas como autoras da tradução. Essa versão contará com um DOI (Digital Object Identifier) próprio e o PDF ficará disponível no Zenodo, além do site oficial do guia, permitindo que a tradução seja citada formalmente usando essas informações.

🔗 Equipe envolvida na tradução

O Dev Guide é composto de diversos capítulos e, por este motivo, muitas pessoas participaram e colaboraram no processo de revisão. A participação da comunidade foi fundamental para concluir cada etapa desse processo. Além disso, a colaboração entre pessoas de diferentes países lusófonos enriqueceu o processo de tradução, tornando-o mais plural e trazendo diversidade de perspectivas. Foi muito especial ver que tivemos pessoas da Angola, do Brasil e de Portugal colaborando na tradução, essa pluralidade também faz parte da força do projeto.

A seguir, são listados, em ordem alfabética, os nomes dessas pessoas:

  • António Pedro, Angola

  • Ariana Moura Cabral, Brasil

  • Beatriz Milz, Brasil

  • Daniel Vartanian, Brasil

  • Francesca Belem Lopes Palmeira, Brasil

  • Ildeberto Vasconcelos, Angola

  • João Granja-Correia, Portugal

  • Marcelo Perlin, Brasil

  • Pedro Faria, Brasil

  • Rafael Fontenelle, Brasil

  • Samuel Carleial Fernandes, Brasil

Além disso, a gestão deste projeto de tradução foi realizada por Yanina Bellini Saibene, gestora de comunidades da rOpenSci. Outras pessoas da equipe da rOpenSci também foram importantes na revisão de Pull Requests, como a Maëlle Salmon.

🔗 Depoimentos

Participar do projeto de tradução do Dev Guide para o português foi uma experiência muito enriquecedora para a minha trajetória profissional. Foi a primeira vez que trabalhei utilizando um processo de revisão por pares transparente, reprodutível e colaborativo. De modo geral, está sendo muito satisfatório ver o projeto pronto e acessível para toda a comunidade lusófona.

Francesca Belem Lopes Palmeira

Na minha interpretação pessoal, um dos maiores valores da comunidade de R é a expansão e melhoria da ciência por meio de projetos e dados abertos, prezando assim, pela transparência e pela contribuição de todos. Esse projeto de tradução foi mais um exemplo dessa filosofia. Eu, como um autor de livros abertos (inclusive, leia o meu livro introdutório de R 😉), foi a primeira vez que experimentei um processo de tradução aberto como esse, e devo dizer que gostei muito da experiência.

Um ponto interessante desse projeto foi a metodologia utilizada, que é baseada nas tecnologias do Quarto, {rmarkdown}, {babeldown} e DeepL. Essa metodologia se mostrou muito efetiva em vários aspectos no processo de tradução, e pode ser um caminho interessante para alguém que busca uma metodologia: 1) que seja mais aberta e inclusiva para o seu público; 2) que inclua um pouco de automatização no processo e 3) que gera uma boa organização de arquivos para o seu projeto (i.e., dependendo do tamanho do material a ser traduzido, a organização de arquivos pode se tornar algo crucial para o seu workflow).

Pedro Faria

Para mim, contribuir para este projeto de tradução foi uma jornada tanto de aprendizado quanto de troca. Por um lado, pude conhecer pessoas que, assim como eu, prezam por disseminar o conhecimento e acreditam no poder transformador das palavras, conhecer um pouco melhor os valores da rOpenSci e ainda me atualizar quanto às boas práticas de desenvolvimento e gerenciamento de pacotes em R. Por outro lado, tive a oportunidade de contribuir, mesmo que um pouquinho, para o aprendizado de outras pessoas — algo que, para mim, é muito gratificante. Espero que o material traduzido abra novos caminhos para aqueles que também apreciam a linguagem R e buscam compreender e mergulhar nesse vasto universo. No fim, percebo que essa experiência reflete um ciclo contínuo de partilha e crescimento, o que me faz lembrar as palavras de Cora Coralina: “feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina”.

Ariana Moura Cabral

Mesmo já tendo experiência com desenvolvimento de pacotes, revisar os capítulos foi uma oportunidade de aprender mais e me atualizar sobre as boas práticas. Até então, não tínhamos um material tão completo em português, gratuito e online sobre desenvolvimento de pacotes em R. A versão traduzida do Dev Guide será muito útil para as pessoas que querem aprender mais sobre desenvolvimento de pacotes, mesmo para quem não pretende submeter um pacote à revisão por pares da rOpenSci.

Beatriz Milz

Traduzir um texto para um idioma com tantos dialetos como o português apresentou diversos desafios. Por exemplo, qual variante usar: a do Brasil, de Portugal, de Angola ou de outro país lusófono? O pronome “você” é muito comum entre falantes do português brasileiro, mas seu uso pode soar estranho para falantes do português de Portugal. Nenhuma tradução agradará a todos, mas a equipe se esforçou para refletir sobre essas questões e, na medida do possível, propor soluções satisfatórias. Aprendi muito durante esse processo e nos debates que surgiram. Espero que a tradução do Dev Guide para o português contribua para a inclusão de mais falantes do idioma e para a disseminação de boas práticas no desenvolvimento em R.

Daniel Vartanian

🔗 Desafios

Traduzir um material vai muito além de simplesmente trocar palavras de um idioma para outro. Na verdade, é um processo cheio de nuances e vários desafios podem surgir ao longo do caminho.

Na tradução do Dev Guide, um dos principais desafios enfrentados foi preservar o sentido e o tom do texto original, como usar os mesmos termos e estilo do começo ao fim do texto, tendo em vista que a tradução era inicialmente automática. No entanto, para manter a consistência do material, o texto foi revisado várias vezes, por mais de uma pessoa, garantindo que a leitura permanecesse agradável, técnica, mas sem muitos obstáculos linguísticos.

Ao longo do processo de tradução, surgiram discussões importantes sobre o uso consistente de termos e sobre como adaptar expressões técnicas sem perder precisão. Algumas dessas conversas ocorreram diretamente nos Pull Requests (por exemplo: #717, #855, #856), onde as pessoas que colaboraram no projeto debateram alternativas de estilo, ajustes de vocabulário e decisões específicas de tradução. Esses registros ilustram bem como o trabalho foi coletivo, iterativo e cuidadoso, refletindo o esforço de alinhar clareza, rigor técnico e sensibilidade linguística.

Durante as revisões, houve ainda um cuidado especial em diminuir a marcação de gênero do texto (por exemplo, mudando de “os usuários” para “os(as) usuários(as)” ou “as pessoas usuárias”), priorizando manter a leitura fluida e mais inclusiva. Além disso, como a tradução automática tende a traduzir todo o conteúdo, outra preocupação recorrente foi restaurar corretamente os nomes próprios (de livros, pacotes ou funções) para o inglês.

Uma barreira que ainda existe para quem lê o Dev Guide em português é que a maior parte dos nomes de funções, pacotes e livros sugeridos ao longo dos capítulos direciona para um texto em inglês. No entanto, a equipe da rOpenSci vem trabalhando na tradução para o português dos posts de blog referenciados no Dev Guide, o que ajudará a reduzir essa lacuna aos poucos.

🔗 Impacto e próximos passos

A versão em português do Dev Guide é um material valioso de estudo na comunidade que fala português, não apenas para quem deseja desenvolver pacotes em R utilizando boas práticas, mas também para quem busca compreender melhor as diretrizes de submissão e o processo de revisão por pares na rOpenSci. É uma forma de abrir portas, reduzir barreiras linguísticas e fortalecer a ciência aberta.

O guia traduzido também estabelece uma base importante para futuras iniciativas da rOpenSci, incluindo a possibilidade de uma coorte do programa rOpenSci Champions em português. Esse programa é uma iniciativa voltada a pessoas de grupos historicamente e sistematicamente excluídos que desejam contribuir para a rOpenSci e para as comunidades de código aberto e ciência aberta em geral. O programa busca tornar o ecossistema de software científico mais diverso, sustentável e acessível, refletindo a pluralidade das comunidades que ele serve.

Além disso, a tradução do Dev Guide facilita a realização de um projeto piloto de revisão de pacote inteiramente em português, liderado por Ana Carolina Moreno como parte de seu projeto no programa rOpenSci Champions (coorte 2025). Esse piloto permitirá testar o processo de revisão por pares em outro idioma e ampliar o acesso e a inclusão de novas pessoas no processo de revisão.

Com a conclusão da tradução, planejamos incorporar o aprendizado obtido nesse processo às diretrizes oficiais da rOpenSci para tradução. O objetivo é atualizar o guia para documentar as práticas bem-sucedidas do projeto e incorporar os acordos e instruções desenvolvidos pela equipe de tradução para o português, facilitando o apoio a futuras colaborações e traduções para outros idiomas. Esperamos que isso fortaleça a infraestrutura da rOpenSci para esforços de tradução futuros!


  1. Salmon M (2025). babeldown: Helpers for Automatic Translation of Markdown-based Content. R package version 0.0.0.9000. https://github.com/ropensci-review-tools/babeldown↩︎